História - 99 anos do Padre Ildo

Padre Ildo Aníbal de Jesus Silva (1924 - ),
pároco de Arcos até 2022.

O Pe. Ildo Aníbal de Jesus Silva nasceu a 24 de novembro de 1924, ainda que os registos oficiais digam que nasceu três dias depois, a 27. É natural de Cedovim, na Zona Pastoral de Foz Côa. Conheceu dez irmãos! Ainda houve mais dois, uma Ana e um Aníbal Ildo, que não chegou a conhecer. É o decano dos sacerdotes. É pároco de Chavães e Arcos, na Zona Pastoral de Tabuaço [cessou funções em 2022, após a realização desta entrevista].
A Voz de Lamego, através de algumas perguntas, procurou rever um pouco da sua vida, ao longo do tempo, até à atualidade, bem como as interpelações da Igreja.

VL – Em que idade soube que queria ser padre, como é que nasceu a vocação?
Não me lembro bem, não houve uma data específica, foi o ambiente familiar, a minha mãe, e sobretudo a irmã mais velha, Deolinda, que era bastante dura, e na altura metia-me medo, para ter muito cuidado senão poderia não ser padre.

VL – Como era a vida na aldeia no seu tempo?
Era uma vida tranquila. Éramos onze irmãos, podíamos ir para o campo ou prédios que temos. Também ajudava o meu pai na forja, aí com sete anos, ele era serralheiro civil, e eu ajudava-o a tocar ou a puxar o fole…

VL – Era uma vida mais dura…
Não, não era dura, era um entretenimento…

VL – Tinham escola, estudaram todos?
Sim, todos… Eu estava a ajudar o meu irmão, José, que morreu em África, muito depois, naturalmente, que estava na loja a cortar chapa ou a furar e eu estava a ajudar, e ainda tenho um sinal, ele magoou-me e não havia medicamentos, não havia nada… Então, digo-lhe eu, “quero ir à escola”. E o meu irmão disse-me: “vai dizer ao pai que queres ir para a escola… o pai que te compre o livro e te leve à escola”. Então eu fui ter com o meu pai e disse-lhe: “Quero ir à escola”. Ele comprou o livro e levou-me à escola, já a meio do ano. Pouco tempo depois o professor Patrício reformou-se. Foi para Penafiel. Era pândego. Recordo-me que o meu pai o levou lá para a pipa, não tínhamos vinho, mas comprávamo-lo… era divertido… Depois fiquei mais um ano sem professor… [risos].

VL – Depois voltou outro professor…
Sim, veio outro professor, que me levou a exame da quarta classe. Era de Horta de Numão. Não fiz a terceira classe, mas como era o mais velho dos rapazes e, como o professor não tinha matéria-prima, meteu-me à frente, na quarta classe, a mim e a outros colegas, o Cassiano, o José Eduardo…

VL – E depois da quarta classe, prosseguiu os estudos ou foi logo para os Missionários do Espírito Santo?
Fui logo. O professor [no exame da quarta classe] não ficou muito contente comigo. Passei bem, mas não tive a nota mais alta, a nota distinta como ele queria…

VL – Como é que surgiram os missionários do Espírito Santo?
Isso foi a família. Havia também outro rapaz, o Laurindo que tinha também entrado para os Missionários do Espírito Santos, mas não avançou… Eu segui.

VL – Como é que foram os tempos do Seminário?
Não foram muito bons. Fui para o Seminário da Guarda-Gare [Fundão], Seminário do Espírito Santo e tive qualquer coisa na vista e o oftalmologista terá dito que tinha que fazer uma operação, mas ninguém ligou nada. Durante as férias, a minha mãe recebeu uma carta do Seminário a dizer que eu só poderia regressar com autorização do referido oftalmologista. Fiquei um ano em casa, sem fazer nada, a ajudar o meu pai com o fole… Depois, sem ter feito operação nenhuma ou alguma medicação, aceitaram-me e fui para Godim, na Régua.
Depois, segui, passei todos os anos.

VL – A vida no seminário era difícil ou alegre?
Era uma vida alegre. Lembro-me que o Manuel da Purificação Azevedo, meu colega, dizia-me: Ó Ildo, tu, tu não sabes o bem que fazes com o teu sorriso! Dizia que a minha vida alegre era benéfica também para ele.
Gostei sempre do Seminário. Estava não bem que nem me lembrava de casa… [risos].

VL – A seguir à ordenação, foi imediatamente para missionário?
Eu pedi mesmo para ir e fui para Angola. O Azevedo foi para Inglaterra, estudar, para depois ser professor dos seminaristas. Fui para Santo António do Zaire, um ano ou ano e meio. Depois passei para Cabinda. No total estive em Angola cerca de dezoito anos.

VL – Como foi a vida em Angola? A vida missionária…
A minha vida foi toda orientada nesse sentido, de modo que foi muito bom. Não me custava nada. Uma altura, o chefe dos militares de Cabinda tinha uns súbditos que lhe fizeram chegar uns zunzuns e ele chamou-me para ir a uma zona mais remota, uma área que não era da minha responsabilidade, mas eu fui averiguar a informação, tranquilamente.
Os belgas tinham abandonado o Congo, o Congo belga. E havia alguns rumores [relacionados com a independia, levantamentos populares ou possibilidades de revoltas contra o domínio português]. Eu fui lá…
Havia um quimbo, a aldeia de São José, em Santo António do Zaire, a uma distância de 20 a 30 quilómetros, e mesmo não sendo o meu setor, eu fui, com alegria e tranquilamente. Outros arranjaram desculpas, ou o carro avariado ou que não ia até lá ou a moto que não aguentava tão grande distância… Nesse quimbo havia uma mulher, muito nova, que estava a morrer e que esperava pelo padre para morrer bem. Ficou toda feliz e morreu em paz.

VL – Sabendo que a vida missionária era um enorme desafio, como é que se realizou a incardinação à Diocese de Lamego?
Foi contra a minha vontade. Tinha cinco irmãs, solteiras, com a mãe. E elas fizeram que eu ficasse, com a minha irmã Ilda à cabeça. Pediram a dois cónegos irmãos, os Cardosos, gente reconhecida em minha casa e disseram-lhes: “O Ildo já deu muito aos missionários”, fizeram-me ficar. Contra a minha vontade. Ou talvez Deus escreva direito por linhas tortas. Podia ter medo, mas nunca o confessei, a vida missionária era a minha vida.

VL – Quais as paróquias que lhe confiaram quando veio para Lamego?
As que tenho hoje [Arcos e Chavães], mas tive mais, Nagosa e tive Barcos, quando o Pe. Luís foi para a guerra. Ele até me chegou a dizer que me dava as paróquias dele! Se fosse para a minha terra até aceitava, agora a 5 quilómetros de distância, isso não.

VL – Que diferenças nota nas comunidades, na atualidade em relação há 50 anos?
Uma diferença abissal. Havia 50 comunhões, nas festas da Primeira Comunhão ou Profissão de Fé. Agora, por exemplo, rezo o terço ao Domingo e vai lá meia dúzia de pessoas. Naquela altura, a Igreja estava cheia. Também é verdade que muitos emigraram. Mas agora com a pandemia, ou melhor, com o pandemónio, como eu costumo dizer, com o pandemónio ainda é pior! Não têm medo de festanças, mas Igreja quase nada. Já cheguei a celebrar Missa só com uma ajudante.

VL – Esteve ligado ao ensino. Que disciplinas ministrou?
Português e Música. O Pe. Américo Albino Gomes esteve em Cedovim… e a minha mãe sofreu um pouco com ele e eu enfrentei-o, ainda seminarista, e julguei que isso me impedia de ser ordenado diácono… depois reparou o mal que tinha feito, foi muito delicado, muito amigo da família. Foi ele o responsável por eu entrar no ensino. Foi muito amigo.

VL – A escola era mais fácil nessa época?
Sim. Mas também não estive muito tempo. Saí na altura certa…

VL – Se voltasse atrás, teria feito outras opções? Por exemplo, em relação à vida missionária?
Ainda hoje gosto do Espírito Santo [missionários do Espírito Santo], está cá dentro do coração.

VL – Gosta do trabalho paroquial?
Gosto. Melhor, não gosto porque não me dá trabalho nenhum. O que gosto menos é o que tenho mais: funerais, funerais. Batizados, zero; casamentos, zero; confissões, zero. Fiquei muito contente, em Arcos, na Primeira Comunhão, tive três crianças: uma com sete, outra com oito e outra com nove anos. A criança com nove anos é acólita. Na véspera, a preparação mais próxima, as confissões, com os pais e familiares a virem-se confessar. As três crianças ainda hoje continuam a vir sempre à comunhão aos Domingos, e também os pais. Isso enche-me de alegria. Em Chavães, o regresso da catequese está diminuto. Eram mais de vinte catequizandos e agora não são mais de meia dúzia. Temos que insistir, também com os pais.

VL – Que importância teve a família na sua vida?
Toda. Sempre sintonizados e a ajudar. O Idálio também foi seminarista e continua empenhado na paróquia em que vive. O Chico confessou que a vida sacerdotal era a sua vida, mas um “superior”, um padre, quando o Chico veio de férias, disse-lhe que podia continuar em férias e não regressar e o defeito que lhe apontou foi por ele, na recitação do terço, estar a brincar com o terço…

VL – Desafios para a Igreja no nosso tempo?
Quero que as pessoas se abram à luz, à luz da fé, da Palavra de Deus, e regressem às igrejas…

VL – Como vê o Papa Francisco?
O Papa Francisco é verdadeiramente o Vigário de Cristo, está a desempenhar bem a sua missão. Espero que continue nessa alegria de nos mostrar Cristo e atrair mais pessoas para a Igreja e para a vivência do Evangelho.


in Voz de Lamego, ano 92/04, n.º 4635, 1 de dezembro de 2021.

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